quarta-feira, 21 de abril de 2010

Muito além do cortar e colar

Em um piscar de olhos muita coisa pode acontecer. O presente pode virar o passado, da Itália pode-se ir para o Egito, magicamente tudo pode mudar. Vinte e quatro frames em um segundo de tomada, por exemplo, podem ser cortados ou acrescentados, fazendo toda a diferença na finalização de uma cena. É nas mãos do editor que está o poder de transformar as visões do diretor, seus sonhos, em magia cinematográfica, que emociona telespectadores e enaltece (ou destrói) produções.

A edição é sim fundamental para que uma promessa de filme se torne, de fato, um belo trabalho. Mas ela pode também ser responsável por seu fracasso, como destaca Walter Murch em seu livro “Num piscar de olhos”.

Somente por estar nas mãos de Coppola, Apocalypse Now (1979) já poderia ser um sucesso, mas os editores que trabalharam no filme garantiram que ele se tornasse uma obra prima - aclamada por público e crítica - vencedora de vários prêmios, incluindo a Palme D’Or de Cannes. Ele e O Paciente Inglês (1996) foram alguns dos trabalhos mais bem sucedidos de Murch como editor. No segundo, o americano ganhou dois Academy Awards por edição e melhor som. Mesmo quem não entende sobre técnicas de cinema é capaz de reconhecer tal merecimento, visto a beleza visual do filme.

A mágica de Murch nesse momento está na sutileza com que ele transporta o espectador de um lugar da estória a outro. O filme é cuidadosamente construído de maneira a encaixar presente e passado do Conde Almásy (Ralph Fiennes), através de flashes. Murch usa como base detalhes de uma cena, que ao dissolver as imagens remeta a um elemento da próxima. Como as pinceladas do desenho de Katharine (Kristin Scott Thomas) se misturam com os desenhos rupestres reais encontrados na parede de uma caverna. Até esse ponto o espectador não reconhece o que está acontecendo, até que a tomada é cortada e a imagem de Katharine sentada pintando aparece. O detalhe que precede a elucidação promove a emoção que Murch destaca necessária para uma boa edição.

Voltando ao exemplo anterior, a cena inicial de Apocalypse Now também ilustra com clareza o que é uma edição bem feita. A imagem de uma selva sendo incendiada por helicópteros voando em diferentes direções (o que Coppola afirma ser o resumo mais simples do filme) se mistura com a imagem do rosto de Martin Sheen, como se essa visão o atormentasse e o perseguisse até seus mais profundos sonhos (ou pesadelos). O rosto do ator e a visão da selva se difundem com imagens do quarto em que o personagem está. Os sons dos helicópteros se confundem com a imagem de um ventilador de teto, como se fosse tal objeto que emitisse o som. Mais fogo, cigarros, suor e sons. É como se o personagem estivesse em transe entre dois mundos, o de suas recordações e o inesgotável presente da guerra.

Para muitos, montar (ou editar) um filme é uma tarefa simples, consistida somente em cortar e colar. Para Murch isso também faz parte, saber distinguir o bom do ruim. Mas também é necessário destacar que a edição vai além disso. É refletir a emoção do momento, fazendo o enredo seguir e dando ritmo ao filme. É também respeitar as questões mais técnicas de continuidade de espaço e dimensões.

Os anos de experiência e sucesso de Murch apresentam a edição de uma maneira singular. Mas mesmo além do olhar romantizado que ele transmite, há de se reconhecer o papel essencial que a edição e o editor têm em qualquer produção que tenha como plataforma o cinema ou a televisão.

A seguir, um trecho de "The Cutting Edge", um interessante filme sobre a arte de montar. Além de depoimentos do próprio Murch, o filme também conta com a participação de vários outros diretores e editores de sucesso, como Tarantino, Coppola, Spielberg, etc.


Nenhum comentário:

Postar um comentário