domingo, 11 de julho de 2010

Areias grossas da baía

Existem algumas bandas que conseguem fazer com que, desde o primeiro verso de música, o ouvinte bata com o pé e mexa a cabeça para cima e para baixo até que a faixa acabe, e além. Cascadura é uma delas. E Bogary (2006), o quarto cd da banda baiana, é um desses álbuns que logo te faz mexer o corpo todo. Nas palavras do próprio Fábio Cascadura - voz, guitarra e fundador da banda – “Se alguém o ver parado, eu sinto muito”.

A banda formada em 1992, em Salvador, tem seu nome esporadicamente falado na grande mídia do país. Tentaram ganhar a vida em São Paulo, mas não agüentaram ficar longe das águas mornas da Bahia. Participaram de uma apresentação da conterrânea Pitty no Video Music Brasil da MTV em 2008, mas mesmo assim não conquistaram o público nacional.

Apesar disso, na terra natal eles reinam. E não só lá, Nando Reis é dos que não medem esforços para rasgar elogios aos soteropolitanos: “A cada música desse “Bogary” eu encontrei um desvio, uma estrada, uma rota que me abriu uma porta, [...] Uma praia perdida, [...] Paraíso sem placa de advertência”.

Exageros à parte, o rock proposto pelo Cascadura é diferente daquele rock baiano difundido pela colega Pitty, nada de músicas contra o sistema, baladas melosas ou excesso de lápis pretos nos olhos. Bogary fala de forma abstrata sobre religião - ou falta dela, subjetividades, frustrações e também de amor, o que não poderia faltar para baiano algum.

As primeiras faixas “Se alguém o ver parado” e “Senhor das moscas” são as de pegada mais pesada, com guitarras, baixo e bateria fortes. A voz do vocalista varia entre dois aspectos, de melódica a rouca, gritada, enfim, rock. É com essas músicas, junto de “Centro do universo”, que a banda também abre os shows. Uma seguida da outra, sem pausa para hidratação, eles fazem uma apresentação frenética e quase exaustiva. O equilíbrio vem nas mais calmas, que arriscam um pop-rock meloso, como em “Mesmo eu estando do outro lado” e “Juntos somos nós”.

Se ao vivo a polarização das músicas pode causar dispersão, a escolha da ordem de faixas para o álbum não teve o mesmo problema. Onde a melodia é fraca, a letra prende. E quando as baladas começam a diminuir o ritmo das batidas com o pé, a faixa “Ele, O super-herói” recupera a energia do começo. A música é marcada pelo compasso acelerado que já se inicia com a marcação das baquetas e da guitarra hardcore que soma força à velocidade da bateria.

“Adeus, solidão!” foi a escolha perfeita para fechar o álbum. Violão e clarinete formam uma melodia esteticamente agradável, que combinadas à letra cativante fazem com que o refrão grudento dificilmente saia da cabeça. Aliás, as letras bem elaboradas e intimistas encontradas em Bogary destacam a qualidade de romântico do vocalista.

Apesar da longa estrada a banda não assinou com uma grande gravadora. Bogary foi lançado como encarte na revista Outra Coisa e o título se refere à uma citação que somente os ouvintes pacientes e curiosos poderão observar. Um minuto após a última música o ator baiano Wilson Melo solta um depoimento endereçado a Fábio Cascadura, no qual menciona a praia de Bogary, localizada na Baía de Todos os Santos, na capital baiana. O lugar é conhecido por suas areias grossas e por ser pouco badalado frente às outras opções do litoral soteropolitano.

Os 18 anos de existência do Cascadura provam que é possível se viver de rock na terra do axé. Já Bogary mostra que é possível fazer rock para além da costa ou superfície, sem se levar pelas casualidades daquilo que está na moda ou no mainstream. A questão que fica é se essa ‘pureza’ do som da banda persistiria caso ela deslanchasse. Mas isso só o tempo dirá, ou não.

Uma coisa é certa. Nando Reis tinha razão: é difícil escutar Bogary só uma vez.

A seguir um vídeo de Senhor das Moscas: