quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Morte, vida e arte

Navegando pela internet um dia desses me deparei com um caso curioso. Jean Stevens, uma idosa de 91 anos de Wyalusing, na Pensilvânia, surpreendeu sua cidade e, posteriormente, o mundo com sua maneira “diferente” de se relacionar com a morte. A senhora mantinha e cuidava, em casa, dos cadáveres de seu marido, morto em 1999, e de sua irmã gêmea, morta em 2009. Ela disse para os jornalistas que uma de suas maiores preocupações era o medo de não acontecer nada após a morte. “É esse o grande final?”, ela se questionava.

Refletindo sobre o assunto cheguei a conclusão de que a fala e os temores de Jean não são uma novidade. Eles são identificados pela historiografia desde os primórdios dos tempos, a começar pelas pinturas rupestres. A partir do momento em que o homem detectou essa ausência, causada pela morte e pelo deixar de ser, iniciaram-se as tentativas de perpetuação. E o que pode ser observado é que a morte, ou qualquer outra ruptura, sempre acaba produzindo “nova vida”, novos começos. Nesse contexto, nasceram as primeiras manifestações artísticas, a partir da falta, do vazio.

Essa senhora norte-americana tentou preencher esse vazio da morte de seus entes na contra-mão do que os antigos egípcios e gregos faziam e do que é aceitável em qualquer sociedade atual. Enquanto antigas civilizações (e até algumas modernas) fabricavam o duplo, uma imagem para representar o cadáver, Jean Stevens surpreendeu ao “trazer de volta à vida” os próprios corpos, em decomposição, de seus familiares. Essas decomposição e feiúra quase nunca são aceitáveis, considerando que não representam a vida. No filmes Partidas (2008), de Yojiro Takita, essa necessidade pode ser observada no cuidado, delicadeza e dedicação tidos pelos personagens para com os corpos, afim de que eles se assemelhassem à como a pessoa era quando viva. Aliás, essa tentativa vai além, é como se esse momento devesse ser o mais belo para que, assim como faziam os faraós, essa pessoa entrasse na outra fase da existência (o pós-morte) esteticamente melhor do que nunca.

Regis Debray fala em seu texto Nascimento pela morte das inúmeras tentativas do homem de lidar com o final da vida física ao longo do tempo. Ele afirma que os grandes monumentos funerários são uma forma de alertar os vivos sobre a morte, sobre a fugacidade da vida: “a advertência de um lembra-te”, (pág. 28). Ao mesmo tempo, muitos desses monumentos, como efígies e mausoléus, tentam recompor o corpo. Na Idade Média, por exemplo, os cavaleiros e reis tinham, em suas câmaras mortuárias, um duplo esculpido no topo dos túmulos, que representava o morto. Esses monumentos permanecem até hoje em vários pontos no mundo, no Brasil inclusive, perpetuando na memória dos que vivem a existência dos que já foram. Para o autor, é “um duplo do morto para mantê-lo vivo”, (pág. 29). Na Catedral de São Pedro de Alcântara, na cidade fluminense de Petrópolis, podemos encontrar um exemplo. Lá, onde está o mausoléu imperial brasileiro, ficam as efígies do imperador D. Pedro II e da imperatriz Thereza Cristina, além de outros membros da família real. Tudo, na câmara mortuária, é feito delicadamente para “honrar” a vida do antigo imperador, até as janelas, que lhe fazem homenagem em seus vitrais.

A partir disso, desse apelo ao belo, da criação da imagem esteticamente agradável, do duplo, surge a arte. Como Debray explica, “nós opomos à decomposição da morte à recomposição pela imagem”, (pág. 30). E no promover dessa imagem, encontramos o que será, eventualmente, considerado como manifestações artísticas.

A magia também aparece nesse momento de criação da imagem e do duplo e somente quando ela “desaparecer” essas imagens serão consideradas arte. O invisível sempre atraiu o homem e até hoje gera dúvidas. As imagens, então, podem ser consideradas a forma visível de explicar aquilo que não pode ser concretizado. Na Bíblia vemos um caso curioso desse comportamento humano. Quando os hebreus estavam no deserto após a fuga do Egito, Deus falava com o povo através de Moisés, o que fazia com ele ficasse por muito tempo afastado. Em uma dessas ocasiões em que ele esteve fora, o povo construiu a imagem de um bezerro de ouro, representando Apis, um conhecido deus egípcio. Apis representava força e fertilidade, porém, mais ainda, para o povo ele era o palpável, o real, a materialização do sagrado. Os hebreus adoravam a imagem como se ela fosse poderosa, como se ela estivesse integrada àquele deus que ela representava. Assim também é a lógica da imagem associada à magia. Somente quando essa associação é quebrada que a visão artística surge.

Voltando à questão dos corpos, uma exposição tem causado polêmica ao se estreitar com a morte. A Bodies The Exhibition atrai, desde 2005, milhões de pessoas ao redor do mundo para conhecerem melhor o corpo humano. Nela os visitantes podem ver cadáveres de chineses que passaram pela verdadeira fonte da juventude, talvez o sonho de consumo de mais da metade da população norte-americana (e, porque não dizer, de boa parte da brasileira também). Por meio de um processo de conservação com silicone, os corpos dissecados estão à mostra como bonecos, em poses atléticas e criativas. É quase como se o duplo tivesse deixado de existir e os antigos egípcios tivessem encontrado uma nova forma de manter seus mortos expostos à dias, sem a necessidade da imagem. O morto é a imagem. O que conduz com uma sociedade em que as pessoas reais se escondem atrás de quilos de maquiagem, plásticas e aperfeiçoamentos cirúrgicos, para parecerem esteticamente mais agradáveis do que realmente são.

Além das questões mais óbvias, pontuais, podemos promover uma discussão mais geral, macroestrutural, de algo também promovido pela morte. Como dito anteriormente, toda ruptura gera algo novo. Para todo fim, um novo começo. O filme de Yojiro Takita ilustra bem isso. O enredo é marcado por pequenas rupturas ou pequenas mortes. A começar pela dissolução da orquestra, a vida de Daigo Kobayashi, personagem principal, sofre uma série de mudanças que partem do vazio provocado por outras. É nessa eterna busca por preenchimento que ele descobre como levar sua vida. De maneira muito sensível e silenciosa, o diretor mostra a eterna peleja humana, com conflitos, problemas e superações, aproximando dois extremos que são vida e morte, fazendo-os andar tão próximos. Seja a morte real, da carne, ou a figurada, dos sonhos, as quebras no filme são sempre seguidas pelo novo. O polvo, os salmões, os amigos, os trabalhos, mas a principal mudança ele guarda para o final, quando com uma pequena pedra o diretor nos indica a maior de todas as rupturas para Daigo. É por meio dessa última morte, a mais significativa, que ele pode parar e “recomeçar a viver”.

Diante de tudo isso, acredito que, no final, um clichê é expandido. Já que percebe-se que não só a morte faz parte da vida, mas como também a vida (se inspira/transcende/descende) faz parte da morte.

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* Mil perdões pelos erros de diagramação. Eu e o Blogger discordamos em alguns quesitos que eu mesma não compreendo!

domingo, 11 de julho de 2010

Areias grossas da baía

Existem algumas bandas que conseguem fazer com que, desde o primeiro verso de música, o ouvinte bata com o pé e mexa a cabeça para cima e para baixo até que a faixa acabe, e além. Cascadura é uma delas. E Bogary (2006), o quarto cd da banda baiana, é um desses álbuns que logo te faz mexer o corpo todo. Nas palavras do próprio Fábio Cascadura - voz, guitarra e fundador da banda – “Se alguém o ver parado, eu sinto muito”.

A banda formada em 1992, em Salvador, tem seu nome esporadicamente falado na grande mídia do país. Tentaram ganhar a vida em São Paulo, mas não agüentaram ficar longe das águas mornas da Bahia. Participaram de uma apresentação da conterrânea Pitty no Video Music Brasil da MTV em 2008, mas mesmo assim não conquistaram o público nacional.

Apesar disso, na terra natal eles reinam. E não só lá, Nando Reis é dos que não medem esforços para rasgar elogios aos soteropolitanos: “A cada música desse “Bogary” eu encontrei um desvio, uma estrada, uma rota que me abriu uma porta, [...] Uma praia perdida, [...] Paraíso sem placa de advertência”.

Exageros à parte, o rock proposto pelo Cascadura é diferente daquele rock baiano difundido pela colega Pitty, nada de músicas contra o sistema, baladas melosas ou excesso de lápis pretos nos olhos. Bogary fala de forma abstrata sobre religião - ou falta dela, subjetividades, frustrações e também de amor, o que não poderia faltar para baiano algum.

As primeiras faixas “Se alguém o ver parado” e “Senhor das moscas” são as de pegada mais pesada, com guitarras, baixo e bateria fortes. A voz do vocalista varia entre dois aspectos, de melódica a rouca, gritada, enfim, rock. É com essas músicas, junto de “Centro do universo”, que a banda também abre os shows. Uma seguida da outra, sem pausa para hidratação, eles fazem uma apresentação frenética e quase exaustiva. O equilíbrio vem nas mais calmas, que arriscam um pop-rock meloso, como em “Mesmo eu estando do outro lado” e “Juntos somos nós”.

Se ao vivo a polarização das músicas pode causar dispersão, a escolha da ordem de faixas para o álbum não teve o mesmo problema. Onde a melodia é fraca, a letra prende. E quando as baladas começam a diminuir o ritmo das batidas com o pé, a faixa “Ele, O super-herói” recupera a energia do começo. A música é marcada pelo compasso acelerado que já se inicia com a marcação das baquetas e da guitarra hardcore que soma força à velocidade da bateria.

“Adeus, solidão!” foi a escolha perfeita para fechar o álbum. Violão e clarinete formam uma melodia esteticamente agradável, que combinadas à letra cativante fazem com que o refrão grudento dificilmente saia da cabeça. Aliás, as letras bem elaboradas e intimistas encontradas em Bogary destacam a qualidade de romântico do vocalista.

Apesar da longa estrada a banda não assinou com uma grande gravadora. Bogary foi lançado como encarte na revista Outra Coisa e o título se refere à uma citação que somente os ouvintes pacientes e curiosos poderão observar. Um minuto após a última música o ator baiano Wilson Melo solta um depoimento endereçado a Fábio Cascadura, no qual menciona a praia de Bogary, localizada na Baía de Todos os Santos, na capital baiana. O lugar é conhecido por suas areias grossas e por ser pouco badalado frente às outras opções do litoral soteropolitano.

Os 18 anos de existência do Cascadura provam que é possível se viver de rock na terra do axé. Já Bogary mostra que é possível fazer rock para além da costa ou superfície, sem se levar pelas casualidades daquilo que está na moda ou no mainstream. A questão que fica é se essa ‘pureza’ do som da banda persistiria caso ela deslanchasse. Mas isso só o tempo dirá, ou não.

Uma coisa é certa. Nando Reis tinha razão: é difícil escutar Bogary só uma vez.

A seguir um vídeo de Senhor das Moscas:


segunda-feira, 14 de junho de 2010

Antenados.3gp

3gp é um formato de vídeo especifico de mídias móveis, particularmente celulares. Por meio dele, qualquer pessoa com um aparelho móvel pode produzir e compartilhar experiências.

A proposta deste vídeo é mostrar como, a partir destas mídias, os jovens comunicadores do projeto social Antenados, da Missão Ramacrisna, enxergam e mostram seu mundo.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Documentário Antenados

Várias cabeças pensam melhor do que uma. A seguir, uma proposta colaborativa em parceria com o projeto Antenados da Missão Ramacrisna, de Betim - MG.


Sinopse

O documentário produzido se propõe a criar um diálogo com adolescentes produtores de informação. Eles fazem parte de projeto Antenados, um projeto de comunicação, da ONG Missão Ramacrisna, que se destaca por suas produções áudio visuais. Além disso, também são produzidos fanzines, blogs e jornal impresso, tudo pelos próprios adolescentes.
O bairro em que a ONG está inserida é o Marimbá, localizado na zona rural de Betim, cuja maioria da população é de classe. Pode-se observar também que grande parte das moradias é precária, o índice de escolaridade é baixo e a natalidade é alta, assim como o número de gestações na adolescência. Em algumas regiões mais afastadas ainda falta asfalto, saneamento básico e eletricidade. Apesar disso, os jovens conhecem e têm acesso à internet e novas mídias (como twitter, blogs, Orkut etc.) em grande parte por meio da ONG.
Durante duas semanas, entre os dias 20 de maio e 4 junho, os participantes do projeto irão documentar sua rotina, por meio de mídias móveis, na maioria, celulares. As particularidades de cada um como família, escola, trabalho no projeto e gostos especiais estarão expostos no vídeo. Sendo assim o objetivo do documentário é, através de uma produção colaborativa, permitir que os participantes se façam ver e sejam vistos, mostrando assim também a realidade de sua comunidade.

Roteiro

Estrutura

O documentário pode ser dividido nos seguintes blocos de informação:

• Casa/Família: conhecendo o background de cada um. “De onde vim” mostra um pouco “como sou”. Duração média de 90’;
• Escola: “passatempo” dos adolescentes. Para a maioria a escola é um local para se encontrar amigos. Duração média de 60’;
• Antenados: o projeto é trabalho ou lazer? Como é a rotina produtiva lá e como eles enxergam o projeto. Duração média de 90’.

Conteúdo

O modelo colaborativo aberto permite que os participantes sejam co-diretores, criando cenas e situações a partir de sua própria concepção. Foram feitas sugestões a respeito de temas a serem abordados (rotina em casa, percurso da casa à escola, apresentação de gostos e particularidades etc.), mas os resultados foram criativos e inesperados. O documentário não possuirá entrevistas, mas sim depoimentos espontâneos. Narrações em off também não serão feitas. Poderá ser utilizado, caso necessário, o recurso legenda para contextualizar situações.

Narrativa

Oito participantes do projeto Antenados irão participar ativamente do documentário, os outros serão somente mostrados ao longo do vídeo. São eles: Henrique, Jansen, Wanderson, Douglas, Wesley, Patricia, Leandro e Rafael. A narrativa será estruturada em forma de bricolagem, com depoimentos diversos. A sua base, porém, será linear começando no inicio da rotina dos adolescentes durante a manhã e seguindo “cronologicamente” até o fim do dia.

Cronograma

Dia 20 de maio: 1ª reunião - apresentação do projeto e designação de tarefas.

Dias 22/23 de maio: primeiras imagens produzidas. Filmagens livres.

Dia 25 de maio: 2ª reunião – análise e discussão das imagens produzidas. Filmagens no projeto.

Dias 29/30 de maio: produção livre de imagens.

Dia 1º de junho: Filmagens no projeto. Mapeamento do material já produzido.


Storyboard

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sábado, 22 de maio de 2010

Montanhas e livros


Apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores de livros do mundo, o índice de leitura do brasileiro é muito baixo - 1,3 livros por pessoa ao ano. O que mostra que não adianta somente facilitar a produção, mas também incentivar o acesso ao mundo literário. Visando atrair pessoas de idades e classes sociais diferentes para esse mundo que a Câmara Mineira do Livro, em parceria com a Fagga Eventos, realizou a II Bienal do Livro de Minas.

O evento acontece entre os dias 14 e 23 de maio, no Expominas, em Belo Horizonte e atraiu, até então, um público de mais de 90 mil pessoas. Além dos livros, quem já visitou o local também teve a oportunidade de conhecer e dialogar com diversos escritores brasileiros, como Ruy Castro, Humberto Werneck, Luis Ruffato, Rubem Alves, entre outros. O Café Literário foi o espaço para esse diálogo. Lá escritores compartilharam como é processo produtivo, suas carreiras e causos da vida cotidiana.

Experiências
Ruy Castro e Paulo Markun foram os personagens de uma das sessões do Café Literário, com o tema As aventuras do biógrafo. O salão climatizado e intimista que abrigou o espaço tinha uma estética agradável – aliás, era digno de novela, com garçons servindo vinhos, cafés e água mineral, a 3 reais a garrafa (de 500 ml) . O que aliviou os 35 minutos de espera devido ao atraso do vôo de um dos convidados.




Luiz Eduardo Gonçalves coordenou o debate que teve a


participação de Ruy Castro e Paulo Markun



A demora pôde, porém, ser desconsiderada com o inicio do debate, uma aula para jornalistas e historiadores sobre o fazer biográfico. Por meio de relatos pessoais a partir de experiências na área, Markun e Castro expuseram limites, deveres e metas que o biografo tem. Para Castro, a formação perfeita desse profissional deve aliar o jornalista, o historiador e o letrista. “Deve haver, sem dúvida, um compromisso com a informação. O que, de forma alguma, impede a produção de uma escrita atrativa. O autor deve desenvolver uma estrutura que mantenha o interesse do leitor”.

Mundo mágico
As crianças também tiveram lugar especial na programação da Bienal. Algodão doce, pipoca, amendoim, palhaços, brincadeiras e livros, muitos livros. Eram histórias em quadrinho, contos de fada, estórias infantis e contadores preparados para entreter a garotada a qualquer hora. A diversidade era tão grande que Vitória Gabriela de Amorim, de oito anos, não sabia qual livro levava para casa com o dinheiro que havia arrecadado. Ao sair do estande de uma das livrarias em exposição ela orgulhosamente exibia, como um tesouro, os três livros infantis que ela mesma selecionou e comprou, a um real cada. “Eu posso comprar o que eu quiser com meu dinheiro e escolhi gastar com livros porque leitura é uma coisa importante, assim a gente fica conhecendo muitas coisas”.




Vitória convidou a tia para conhecer a Bienal




Para os pais que querem introduzir seus filhos no mundo da leitura, o evento ajudou a aproximar a relação das crianças com as letras. Lucas, de apenas seis anos, ainda não está completamente alfabetizado, mas não desgrudava do livro que ganhou. De acordo com Guilherme Mol Rolim, pai de Lucas e Carolina, de nove anos, a família tem parte na introdução literária dos filhos. “Sempre que é possível a gente lê livros à noite para eles, sejam estórias infantis, histórias em quadrinhos ou estórias maiores. A gente sempre tem essa preocupação, porque enxergamos que leitura é uma coisa importante na vida dessas crianças”. Além disso, Guilherme acredita que a diversidade de obras e editoras e os preços baixos conquistaram ainda mais os visitantes que procuravam por bons livros.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Podcast II Bienal do Livro de Minas

Até o dia 23 de maio, está acontecendo, no Expominas, a II Bienal do Livro de Minas. Enquanto a minha matéria completa sobre o evento não sai, confira o podcast pra saber um pouco mais.



Informações: www.bienaldolivrominas.com.br

(continuação) O caso de Belo Horizonte

Através da Secretaria Adjunta de Tecnologia da Informação, a atual gestão de Belo Horizonte tem executado propostas com o objetivo de “democratizar o atendimento ao cidadão, aumentar a eficiência dos serviços públicos e garantir maior racionalidade na gestão das informações”. Além de instalar pontos de internet pela cidade, ampliando assim o acesso da população à rede, o governo deu mais um passo para a consolidação de um governo eletrônico ao disponibilizar online a prestação de serviços, por meio do Portal de Informações e Serviços. Lá cidadãos, empresas e terceiro setor podem encontrar centrais de atendimentos e a possibilidade de resolver questões via computador, que antes só poderiam ser atendidas nos órgãos públicos. A hiperface do portal é simples e direta. Abas separam serviços de acordo com as áreas para o cidadão, empresas e terceiro setor. Cada uma delas é dividida em sub-áreas. A área do Cidadão, por exemplo, tem as sub-áreas Nascimento, Infância e Adolescência, Maioridade, Terceira Idade e Óbito, proporcionando assim maior praticidade para que o usuário encontre com sucesso o serviço que procura.

Em relação à participação política, outra iniciativa da prefeitura foi o Orçamento Participativo Online. Originalmente, o Orçamento Participativo foi implantado em Porto Alegre, RS, em 1989. Por meio dele, os cidadãos participam de assembléias regionais e temáticas em que cada um tem o mesmo poder de deliberação, os próprios participantes definem as regras e determinam as prioridades orçamentárias. Segundo Avrizter (2002), o projeto inovou nas propostas institucionais produzidas por diferentes atores. Em 1993 foi criado o Orçamento Participativo em Belo Horizonte, desde lá, entraram em vigor o OP Regional, Habilitação e Digital.

Em suas duas edições (2006 e 2008) moradores da capital mineira puderam votar em obras a serem executadas pela prefeitura, via internet e telefone. De acordo com a prefeitura, o primeiro OP Digital teve 503.266 mil votos e elegeu a revitalização da Praça Raul Soares em R$2,6 milhões, segundo dados da PBH.

Em seu atual modelo, os internautas podem escolher obras entre as opções dadas, mas não lhes é possível sugerir algo diferente. Por isso, apesar de se utilizar da rede para propor uma nova forma de relação entre governo e cidadãos, a maneira como o OP Digital tem sido realizado foge da proposta da Internet, sistema aberto cujo foco é a interação, já que, de acordo com Primo, “a questão da interatividade deveria abarcar a possibilidade de resposta autônoma, criativa e não prevista da audiência” (p.6, 2000).

O Orçamento Participativo Digital hoje
Em 2006 foram votados 9 projetos. Deles, três faltam concluir e já estão com o prazo esgotado. Outro foi entregue após três meses do período estipulado. Dos cinco obras pré-selecionadas para o OP Digital de 2008, apenas as obras ao redor da Praça São Vicente com Anel Rodoviário está em andamento. Estimada em R$39 milhões, a obra eleita com 42,1% dos 113.383 votos.

O OP a partir de abril abre nova rodada com restrição das escolhas para os cidadãos, uma vez que só poderão fazer parte do OP as ações prioritárias do governo, estabelecidas no programa BH Metas e Resultado ou no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG).

O Orçamento Participativo é utilizado como discurso para campanha política e, como analisa Avritzer (2009), o Orçamento Participativo potencializa outras políticas participativas voltadas à infraestrutura da população de baixa renda em cidades administradas por partidos de esquerdas. Desta forma, o andamento do projetos selecionados pode enfrentar resistência de acordo com as políticas partidárias, dos setores burocráticos do governo e grupos de interesse. Embora seja uma iniciativa para o estabelecimento da esfera pública virtual, a democratização da gestão pública esbarra nas resistências das forças políticas quanto da participação popular, sendo ela desorganizada, imersa em barreiras digitais e apatia política. Em Belo Horizonte, as restrições governamentais ao procedimento de deliberação democrática atesta a fragilidade do Orçamento Participativo, mesmo na internet, já que se adapta-se às exigências governamentais. Segundo Silva e Baiocchi (2008), “(...) no caso de parcela significativa dos municípios brasileiros que possui escassos recursos, a adoção do OP corre o risco de despertar demandas sociais inviáveis de serem atendidas, gerando altos custos político-eleitorais para as forças no governo”.

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Este texto é parte do trabalho Política, Internet e participação: um estudo de caso do governo eletrônico em Belo Horizonte, produzido para a disciplina de Cibercultura pelas alunas Gabriella Pacheco e Pollyana Dias.

Política, Internet e participação

A Web rapidamente se fez presente em todos os setores da sociedade. De acordo com a Nielsen Ibope Online, foram registrados 46,99 milhões de internautas no Brasil, em março de 2010. Compras online e redes sociais encabeçam a lista de pioneiros bem sucedidos na exploração desse, até então, território desconhecido. Apesar do grande número de usuários, sites e serviços disponibilizados mundialmente pela rede, o ciberespaço é infinito fazendo com que as possibilidades da Internet também sejam inesgotáveis. Além disso, a Web propiciou uma mudança de paradigma na maneira como o poder se estabelece e conteúdo é produzido e disponibilizado.

Essas mudanças têm representado um desafio para governos (municipais, estaduais e federais) de todo o mundo. De acordo com Klaus Frey, “Transformações recentes requerem modelos de gerenciamento inovadores – assim como novos instrumentos, procedimentos e formas de ação -, a fim de permitir que os administradores públicos lidem com os desafios propostos por uma sociedade globalizada” (p.141, 2002).

Governo Eletrônico
Frente a isso cidades européias, como é o caso de Bolonha, na Itália, e Helsinki, Espoo e Tampere, na Finlândia, desenvolveram políticas públicas de inclusão digital e disponibilização de serviços online. Tais experiências deram inicio ao que conhecemos hoje por governos eletrônicos, o que já vem sendo implantado no Brasil, como é o caso de Belo Horizonte.

Martin Ferguson utiliza uma definição completa a respeito de governos eletrônicos feita pelo Gartner Group. Considera-se esse tipo de governo como “a contínua otimização da prestação de serviços do governo, da participação dos cidadãos e da administração pública pela transformação das relações internas e externas através da tecnologia, da Internet e dos novos meios de comunicação” (p. 104, 2002). Em outra definição o termo governo eletrônico aparece como um
“conceito que engloba o recurso às TIC para a obtenção de ganhos de eficiência e eficácia nos vários níveis do Estado e da Administração Pública, quer no plano das relações internas (G2G), quer no das relações externas (G2B e G2C), assim como o modo de facultar serviços públicos menos burocratizados e mais centrados nos cidadãos através da modernização das estruturas de governação” (ALVES e MOREIRA, p. 9, 2004).
Ou seja, o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) deve estar presente na disponibilização de Internet, na oferta de serviços entre cidadão e administração pública e na participação política. O autor também destaca que “o foco dos governos eletrônicos está nos seus componentes – empresas, cidadãos, outras entidades governamentais e outras organizações publicas” (p. 105, 2002). O que condiz com o paradigma da comunicação na era da Internet baseado no modelo todos-todos, em que o personagem central é o internauta (ou emissor, leitor, ouvinte, telespectador, etc) e o objetivo principal é a produção.

Participação política e democracia
Em 2004, o Programa das Nações Unidos para o Desenvolvimento, PNUD, em relatório sobre a qualidade da democracia na América Latina, aponta que o Brasil é um dos principais países da região em que os cidadãos não tem consciência do sentido da democracia, sendo incapazes de alocar os recursos públicos que eles, cidadãos, detêm em mãos. O modelo de democracia representativa contemporânea de Robert Dahl (1997), pressupõe que funcionários sejam eleitos por eleições livres, justas e freqüentes, a partir da liberdade de expressão em que os cidadãos tenham autonomia associativa e sejam orientados por informações diversificadas. No entanto, segundo dados do relatório,a democracia está restrita ao nível formal, uma vez que a democracia se restringe à seleção de líderes por meio das eleições.

Considerando que a Internet potencializa as características dos indivíduos e da sociedade no geral, o potencial para fortalecer a possibilidade de participação política e, consequentemente, o processo democrático não se restringe ao suporte tecnológico da internet. No entanto, a idéia dos governos eletrônicos em si é a tentativa de concretizar isso.

Especificamente no Brasil, a política contemporânea passa por uma crise, que tem como grande problema a participação. Wilson Gomes explica que falta à sociedade o sentido de “efetividade nas práticas políticas” (p. 60, 2005). Ou seja, o cidadão não acredita que suas atitudes em relação ao governo (desde votar até participar de manifestações ou plebiscitos) serão frutíferas. Além disso, o autor também acredita que
“a esta convicção deve se somar, ademais, a formação de uma péssima imagem pública da sociedade política, entendida como orientada exclusivamente por linhas de força imanentes ao jogo político (acúmulo de capital político para o próprio grupo ou partido, contraposição entre governo e oposição, etc.) ou por interesses não-públicos oriundos da esfera econômica ou das indústrias especializadas em produção da ‘opinião pública’” (p. 60, 2005).

Para Habermas (1997), a deliberação política depende da livre comunicação entre os cidadãos de forma que a opinião pública a partir da discussão engajada interfira na tomada de decisão institucionalizada. Por meio de debate público a interação entre o povo e as organizações da sociedade buscaria o consenso de uma porção mais ampla sobre questões de interesse comum. Para tal, o bem coletivo dependeria da deliberação na esfera pública. Contudo, Eisenberg e Cepik(2002) aponta que não é as dificuldades à liberdade de expressão ou comunicação que atrapalha a deliberação, mas a apatia política.

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Este texto é parte do trabalho Política, Internet e participação: um estudo de caso do governo eletrônico em Belo Horizonte, produzido para a disciplina de Cibercultura pelas alunas Gabriella Pacheco e Pollyana Dias.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Muito além do cortar e colar

Em um piscar de olhos muita coisa pode acontecer. O presente pode virar o passado, da Itália pode-se ir para o Egito, magicamente tudo pode mudar. Vinte e quatro frames em um segundo de tomada, por exemplo, podem ser cortados ou acrescentados, fazendo toda a diferença na finalização de uma cena. É nas mãos do editor que está o poder de transformar as visões do diretor, seus sonhos, em magia cinematográfica, que emociona telespectadores e enaltece (ou destrói) produções.

A edição é sim fundamental para que uma promessa de filme se torne, de fato, um belo trabalho. Mas ela pode também ser responsável por seu fracasso, como destaca Walter Murch em seu livro “Num piscar de olhos”.

Somente por estar nas mãos de Coppola, Apocalypse Now (1979) já poderia ser um sucesso, mas os editores que trabalharam no filme garantiram que ele se tornasse uma obra prima - aclamada por público e crítica - vencedora de vários prêmios, incluindo a Palme D’Or de Cannes. Ele e O Paciente Inglês (1996) foram alguns dos trabalhos mais bem sucedidos de Murch como editor. No segundo, o americano ganhou dois Academy Awards por edição e melhor som. Mesmo quem não entende sobre técnicas de cinema é capaz de reconhecer tal merecimento, visto a beleza visual do filme.

A mágica de Murch nesse momento está na sutileza com que ele transporta o espectador de um lugar da estória a outro. O filme é cuidadosamente construído de maneira a encaixar presente e passado do Conde Almásy (Ralph Fiennes), através de flashes. Murch usa como base detalhes de uma cena, que ao dissolver as imagens remeta a um elemento da próxima. Como as pinceladas do desenho de Katharine (Kristin Scott Thomas) se misturam com os desenhos rupestres reais encontrados na parede de uma caverna. Até esse ponto o espectador não reconhece o que está acontecendo, até que a tomada é cortada e a imagem de Katharine sentada pintando aparece. O detalhe que precede a elucidação promove a emoção que Murch destaca necessária para uma boa edição.

Voltando ao exemplo anterior, a cena inicial de Apocalypse Now também ilustra com clareza o que é uma edição bem feita. A imagem de uma selva sendo incendiada por helicópteros voando em diferentes direções (o que Coppola afirma ser o resumo mais simples do filme) se mistura com a imagem do rosto de Martin Sheen, como se essa visão o atormentasse e o perseguisse até seus mais profundos sonhos (ou pesadelos). O rosto do ator e a visão da selva se difundem com imagens do quarto em que o personagem está. Os sons dos helicópteros se confundem com a imagem de um ventilador de teto, como se fosse tal objeto que emitisse o som. Mais fogo, cigarros, suor e sons. É como se o personagem estivesse em transe entre dois mundos, o de suas recordações e o inesgotável presente da guerra.

Para muitos, montar (ou editar) um filme é uma tarefa simples, consistida somente em cortar e colar. Para Murch isso também faz parte, saber distinguir o bom do ruim. Mas também é necessário destacar que a edição vai além disso. É refletir a emoção do momento, fazendo o enredo seguir e dando ritmo ao filme. É também respeitar as questões mais técnicas de continuidade de espaço e dimensões.

Os anos de experiência e sucesso de Murch apresentam a edição de uma maneira singular. Mas mesmo além do olhar romantizado que ele transmite, há de se reconhecer o papel essencial que a edição e o editor têm em qualquer produção que tenha como plataforma o cinema ou a televisão.

A seguir, um trecho de "The Cutting Edge", um interessante filme sobre a arte de montar. Além de depoimentos do próprio Murch, o filme também conta com a participação de vários outros diretores e editores de sucesso, como Tarantino, Coppola, Spielberg, etc.


sexta-feira, 9 de abril de 2010

Informação além da conta

Em uma das primeiras aulas da disciplina de Cibercultura fomos apresentados ao termo "Infobesidade". Engraçado a princípio, o conceito faz sentido mesmo uma vez que experimentamos essa avalanche de conteúdos.

Meu experimento particular aconteceu essa semana quando testei dois leitores de feeds - no meu caso o Feedreader e o Google Reader. Para os desinformados, feeds são uma espécie de serviço que o internauta assina para ter acesso às atualizações de um determinado site ou assunto. Instalando ou logando no portal dos leitores, o conteúdo vai direto ao receptor. A idéia é de que eles funcionem como filtros, levando ao usuário somente aquilo que ele quer ler. Na teoria, a proposta é interessante pois poupa o internauta de navegar por diversos sites em busca de notícias.

Diariamente acesso a página de futebol do site do jornal inglês The Guardian. Além de gostar muito da Premier League, também quero saber o que a mídia de lá anda falando sobre meu time preferido, o Manchester United. Por isso, minha primeira assinatura foi desse portal.

Os aplicativos tem layouts levemente diferentes, mas com uma estrutura similar. Entre os dois experimentados, navegantes de primeira viagem (como eu) terão mais facilidade com o Google Reader. Além de ser em português, é mais fácil identificar na página onde adicionar novas assinaturas e como ler as notícias atualizadas.

A maior desvantagem do FeedReader, que é um aplicativo baixado no computador, são as janelas pop-up que aparecem sempre que uma notícia é publicada. O mesmo não acontece com o GoogleReader, que é acessado somente pelo site do Google.

Em plena semana de mata-mata na Champions League os apitos da janela não paravam de tocar no meu computador (o pop-up é sempre acompanhado por um sinal sonoro). E considerando-se o princípio de que os feeds são feitos exatamente para que o internauta seja informado apenas sobre aquilo que é de seu interesse, os pop-ups do FeedReader se tornam contra-produtivos quando a informação é incessante ou desinteressante, já que os filtros não fazem análises qualitativas dos conteúdos.

Talvez a escolha do tema não tenha sido das melhores, já que está diretamente associada à questões emotivas, como é o caso para todo torcedor apaixonado (e a situação piora quando seu time é eliminado da competição). Mas fato é que raramente iremos encontrar quem tenha tempo ou se satisfaça em ler notícias similares inúmeras vezes no mesmo dia.

E é por isso que meu GoogleReader ainda tem 168 notícias não lidas sobre futebol inglês. E que assim continuarão.